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Por Gianluca Florenzano

Escritor, mestre em ciências sociais pela PUC-SP, jornalista e pesquisador. Autor do livro “O jogo das ruas: movimento de atletas contra o racismo

O terror volta a assombrar a Itália. No dia 20 de janeiro, o jogo entre Udinese e Milan, válido pelo Campeonato Italiano, foi interrompido aos 38 minutos do primeiro tempo. O motivo: torcedores da Udinese insultaram de forma racista o goleiro da equipe de Milão, o francês Mike Maignan. Ambos os times se retiraram de campo, no entanto, cerca de cinco minutos depois, a bola voltou a rolar e, numa partida marcada por várias reviravoltas, o Milan acabou vencendo pelo placar de 3×2.

Infelizmente, casos como este são recorrentes no futebol italiano. Em 2018, por exemplo, o então zagueiro francês do Napoli, Kalidou Koulibaly, no jogo contra a Internazionale (ou Inter de Milão), também sofreu ofensas racistas da torcida adversária. Para piorar ainda mais a situação, o zagueiro foi expulso por aplaudir ironicamente o árbitro que ignorou seus apelos para que a partida fosse paralisada.

Em 2019, foi a vez do atacante belga, Romelu Lukaku, que à época defendia as cores da Inter de Milão, ser o alvo dos racistas. Aos 27 minutos do segundo tempo, na disputa contra o Cagliari, ao pegar a bola para bater o pênalti, uma parte da torcida rival começou a fazer gestos de macacos em direção ao atacante belga. Sem deixar se desestabilizar pelo show de horrores que o cercava, Lukaku conseguiu empurrar a bola para o fundo das redes, no entanto, como forma de protesto, não comemorou o gol.

Após o jogo, Lukaku cobrou a Federação Italiana de Futebol e os demais órgãos competentes para combater o racismo dentro dos estádios. Ele recebeu o apoio de figuras políticas importantes e de vários jogadores ao redor do mundo.

Só não recebeu apoio da sua própria torcida, ou melhor dizendo, da Curva Nord, o principal grupo ultra (o equivalente à torcida organizada) da Inter de Milão. Em uma carta endereçada ao jogador, os ultras afirmaram que os torcedores do Cagliari não foram racistas. Sim, isso mesmo. Eles entendiam que os gestos de macacos não passavam de uma maneira encontrada pela torcida adversária para tirar a concentração dele na hora de bater o pênalti. E, tem mais. Disseram também que já fizeram coisa parecida e que continuariam a utilizar este “artifício” contra os rivais. Pior do que relativizar o significado dos urros simiescos proferidos das arquibancadas, o argumento dos ultras de extrema-direita naturaliza tais manifestações, inserindo-as no quadro de uma cultura futebolística considerada acima de quaisquer questionamentos.

O racismo, no entanto, não é uma exclusividade das arquibancadas italianas. Na Espanha, fenômeno parecido também acontece. Real Betis, Espanyol, Real Madrid, Atlético de Madrid, dentre outros clubes, têm visto o número de grupos ultras ligados, de uma maneira ou de outra, à cultura da intolerância aumentarem em seus estádios. Não à toa, desde que pisou os pés no país, o atacante brasileiro, Vinicius Junior, tem sido alvo da fúria dos racistas.

Inclusive, há indícios de que ultras da extrema-direita italiana e espanhola estão fazendo alianças entre si. Porém, muito mais do que fazer alianças, eles se inspiram uns nos outros, reforçando-se mutuamente e levando adiante os shows de horrores nos estádios europeus.

Em 2023, o auge do ódio a Vini Junior se deu antes da partida contra o Atlético de Madrid pela Copa do Rei. Torcedores “colchoneros” (como são conhecidos os torcedores do Atlético) penduraram, em uma das pontes da capital espanhola, um boneco negro vestido com a camisa do brasileiro, amarrado por uma corda no pescoço, simulando um enforcamento (maneira pela qual vários negros foram assassinados brutalmente durante os tempos de escravidão).

Entretanto, essa não era a primeira vez que um boneco negro era enforcado no mundo do futebol. Em 1996, ultras da equipe italiana do Hellas Verona, para protestar contra a possível contratação do atacante holandês, Maickel Ferrier, que seria então o primeiro negro a defender o time, amarraram uma corda no pescoço de um boneco de pano de cor preta com a camisa do Hellas Verona que trazia a seguinte mensagem: “negro go away” (“negro vai embora”). Para piorar a dramaticidade da cena teatral aterrorizante, os torcedores que seguravam o boneco, pendurado por uma corda na arquibancada, estavam vestidos com os típicos trajes do grupo supremacista estadunidense Ku Klux Klan.

A apologia ao racismo e às ideias reacionárias também têm ocorrido em outros países europeus. Em 2020, na Ucrânia, no auge das manifestações antirracistas daquele ano, impulsionadas pela morte do afro-estadunidense George Floyd, torcedores do FC Minaj exibiram uma faixa durante um jogo com os seguintes dizeres: “Free Derek Chauvin” (“libertem Derek Chauvin”) – o policial que com o seu joelho esquerdo sufocou Floyd até o último suspiro de sua vida, deixando-o morto e estirado no chão de uma calçada e em plena luz do dia nos Estados Unidos.

Já na Hungria, também em 2020, ultras do Ferencvaros, no clássico local contra o Újpest, colocaram uma faixa que dizia: “White Lives Matter” (“Vidas Brancas Importam”) – frase comumente utilizada por grupos supremacistas brancos para fazer objeção ao movimento Black Lives Matter.

Por fim, naquele mesmo ano, na Inglaterra, para confrontar as manifestações contra o racismo que aconteciam no país, supremacistas brancos, vestidos com a camisa da seleção inglesa, promoveram um ato em Londres. Posteriormente, manifestantes de extrema-direita e militantes antirracistas entraram em confronto na capital londrina.

Não é apenas na Europa, contudo, que os racistas costumam dar as caras nos estádios. Na América Latina, principalmente nas competições da Taça Libertadores e Sul-Americana envolvendo algum time brasileiro, casos de discriminações raciais, infelizmente, são comuns. O episódio que mais chamou a atenção da opinião pública, no entanto, aconteceu no jogo entre Universitário e Corinthians, válido pela Copa Sul-Americana, em 2023, no Peru. Um grupo de torcedores do time peruano, intitulado “Los Nazi”, foram flagrados vestindo camisas com a suástica nazista.

Dessa maneira, com a ascensão ao poder de movimentos de extrema-direita e ultraconservadores, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, parte da população se sente autorizada a cometer atos discriminatórios e a reivindicar o direito de ser racista. E o futebol, como vimos nos casos acima, passou a ser utilizado por esses grupos reacionários e supremacistas como palco privilegiado para veicular sua mensagem de ódio sobre a sociedade.

De fato, os insultos discriminatórios de uma parte dos torcedores da Udinese contra o goleiro do Milan Maignan, são reflexos do que acontece com a política italiana. Para se ter uma ideia, há poucos dias desse lamentável episódio, durante um comício em Roma, na frente da sede do Movimento Social Italiano (MSI), antigo grupo fascista que, mais tarde, integraria uma coalização para formar o partido nacionalista e ultraconservador Irmãos da Itália, da atual primeira-ministra, Giorgia Meloni, manifestantes de extrema-direita foram vistos fazendo a saudação romana, mais popularmente conhecida como a “saudação fascista”.

Entretanto, para conter o avanço da discriminação racial no futebol e no esporte de um modo geral, em 2020, depois da morte de George Floyd, emergiu pelas quadras e campos espalhados pelo mundo um movimento de atletas contra o racismo. Esportistas, das mais diversas nacionalidades e modalidades, marcharam ao lado de multidões e promoveram iniciativas de combate ao preconceito racial que impactaram torcedores, dirigentes, jornalistas e até mesmo as eleições estadunidenses daquele ano.

Em palavras mais poéticas, os atletas, ao menos aqueles comprometidos com os valores democráticos e progressistas, transformaram novamente o esporte em um palco de debate sobre questões sociais e, como há muito tempo não se via, desde a década de 1960 com o Movimento Pelos Direitos Civis liderado por Martin Luther King, a bandeira da causa negra voltava a tremular com força.

Agora, mais do que nunca, o movimento de atletas contra o racismo precisa se fazer presente para combater o ódio dos racistas e conter o avanço de grupos nacionalistas e ultraconservadores. Com efeito, à medida que as eleições ao Parlamento Europeu se aproximam em 2024, torna-se evidente que candidatos populistas de extrema-direita estão ganhando cada vez mais força em diversas regiões do velho continente. Além disso, para piorar ainda mais o cenário, nos Estados Unidos, apesar de uma tentativa fracassada de golpe e de um governo catastrófico, o republicano Donald Trump desponta como favorito para retomar o comando da Casa Branca.

Logo, diante desse cenário preocupante que emerge no horizonte, é fundamental que os atletas do movimento de combate à discriminação racial, em conjunto com coletivos negros e os demais militantes progressistas, repitam a união de forças vista em 2020 para enfrentar a extrema-direita e o recrudescimento do racismo.

Para saber mais sobre o movimento de atletas contra o racismo conheça a obra “O jogo das ruas: movimento de atletas contra o racismo”.

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