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Por Luiz Afonso Vaz de Figueiredo, autor de “O ‘Meio Ambiente’ Prejudicou a Gente…”: Natureza e Cultura na Pedagogia dos Conflitos Socioambientais e nas Histórias do Vale do Ribeira (SP)

 

Hoje é dia de esquecermos de tudo, não importa o quão importante seja. É dia de lamento, de tristeza, de buscar alento; porém, é também dia de perseverança e de esperança. Palavras são insuficientes para expressar a situação no Sul do Brasil nesse começo de 2024, com tamanhas chuvas, decorrendo em enormes inundações, deslizamentos de terra, enxurradas, vidas transtornadas.

É dia de ajudar, de expressar o dissabor devido ao sofrimento de nossos compatriotas; é dia de palavras de incentivo, de desejo de melhoras, de que tudo se resolva prontamente, de afeto aos que perderam coisas ou pior, vidas. É dia de apoio à esses brasileiros e brasileiras, que perderam tudo e muito mais.

É um instante para fazer uma oração, para mandar boas vibrações, para confortar corações. Igualmente, é dia para apoiar doações, recursos e voluntarismo. Todavia, é também momento para fazer reflexões sobre o processo que desencadeou essas enchentes. Sem dúvida, choveu muito mais do que o esperado, realmente foi uma tragédia, e ninguém, ninguém… está preparado para algo desse tamanho. Por isso me sinto solidário a todo esse povo, de forma indistinta, independentemente de quaisquer características distorcidas de distinção social, política, pessoal, etc. São brasileiros e brasileiras que necessitam nosso apoio incondicional.

Contudo, não podia me furtar de reforçar que é preciso que vejamos as correlações entre o ciclo da água e ciclo da vida, pois eles estão intimamente relacionados. Não há vida sem água, todavia, conseguem transformar corpos d´água em algo sem vida. Isso sucede devido às mudanças no curso das águas, às brutalidades que levam às contaminações, às diversas alterações antrópicas nas dinâmicas da natureza. O Planeta está em sublime e inédito equilíbrio, sem pieguices, é um fato; podemos até dizer que isso parece exagerado, mas, se aproxima muito disso. Ao mesmo tempo, vivemos em momentos distintos, complexos. Desse modo, qualquer atuação nesses processos podem criar situações indesejáveis, imprevisíveis e complicadas.

A vegetação em geral, os leitos e cursos dos rios, os processos de evaporação, a permeabilidade do solo, o ritmo das chuvas, e tantos outros fatores, têm um papel fundamental nisso. Por outro lado, a lógica da vida moderna, substituindo florestas por pastos, silviculturas exóticas ou monoculturas extensivas; a cobertura dos solos com concreto armado, cimento e asfalto; o êxodo rural forçado, a concentração habitacional na área urbana e, principalmente, as ocupações que ocorrem em áreas das várzeas dos rios; a industrialização sobrepassada, o lançamento de lixo nos cursos d´água, os barramentos mal-estruturados e mal-dimensionados, tantas outras coisas, desencadeiam numerosas disparidades, tantas desarmonias.

O dramaturgo e poeta Bertold Brecht já dizia “Do rio que tudo arrasta/se diz que é violento,/mas ninguém diz violentas/as margens que o oprimem”. Acredito que essa situação em nosso país nos faz pensar além, sobre todas as coisas que andam acontecendo mundo afora. Das pessoas que propagam de forma obtusa que não há mudanças climáticas, que os cientistas estão errados, que é tudo mentira, que o “meio ambiente” está atrapalhando as atividades humanas. No entanto, das enxurradas que tudo arrastam, isso sim se fala muito, vocifera-se, reclama-se, de forma simplória, ingrata.

Eu vi isso durante a trajetória da minha pesquisa em educação socioambiental, provocado pela frase-título: “O ‘Meio Ambiente’ Prejudicou a Gente…”. Isso me incomodou muito, a ponto de ir atrás do significado dessa expressão, dos motivos que a originaram. A gente percebe um mar de contradições com relação ao assunto. As pessoas não estão falando da natureza, do meio ambiente em si, mas das políticas e ações de meio ambiente que desconsideraram a existência das pessoas nessas áreas com alta concentração de remanescentes florestais, no meu caso, Mata Atlântica. O que eu observei profundamente foi o uso indevido e proliferação desse discurso para fortalecimentos dos donos do poder e dos oportunistas, em detrimento das pessoas que realmente vivem e sofrem com as condições que lhes são impostas.

Proteger o meio ambiente não tem sentido, se não proteger as pessoas, e outros seres vivos, que vivem tradicionalmente nessas áreas naturais. No entanto, não podemos usar esse discurso, oriundo de algo malfeito, ou limitado, para justificar a substituição das florestas, que mantém os ritmos da natureza, mantém as comunidades tradicionais em sua sobrevivência. Não se pode usar de forma leviana essa abordagem, levando à substituição dessas regras que ajudam a manter os fluxos naturais, por outra coisa, algumas até criminosas, de que se pode fazer tudo, sem consequências. Porém, não se enganem, “o que se faz, aqui se paga”, e apesar de ser uma expressão popular, talvez até com cunho religioso, parece fazer um tremendo sentido nesta hora.

Lá no Vale do Ribeira, região que estudei e onde criei uma imensa afeição, eu aprendi muito com as pessoas do lugar, talvez até mais que nos bancos da universidade, sem desmérito algum. E na sabedoria popular, das pessoas humildes de lá aparece uma frase que é o meu mantra sobre o papel da vegetação:

[…] entrô na mata a gente se sente… parece qu’é ôtra vida […] a gente se sente bem, a gente vê que é certamente a vegetação memo que tá mandando naquilo… (Seu Gonçalo, depoimento, 1989)

 

Acho muito importe ajudar nossos conterrâneos, principalmente, nessas horas tão difíceis, contudo, não podemos deixar de pensar nos rumos que tomamos, das nossas condutas, e ver isso com perspicácia, com uma visão profunda acerca do significado de planetaridade, da força da noção de pertencimento ao mundo que vivemos, a Terra. Um pálido pontinho azul como mencionado pelo cientista planetário Carl Sagan.  Sendo assim, poderemos nos livrar do muro das lamentações sobre o que eu poderia ter feito para evitar essa catástrofe. Pensem nisso…

 

Luiz Afonso V. Figueiredo, um mineiro que morou muito tempo em São Paulo e hoje vive no México. Afonso é Professor Doutor e pesquisador da área de Educação, Ciências Ambientais e Ecoturismo, aposentado pelo Centro Universitário Fundação Santo André, onde foi coordenador do Curso de Especialização em Educação Ambiental e Sustentabilidade. Também foi professor da disciplina Espeleologia do Curso de Turismo da PUCSP. E atualmente é docente convidado do Curso de Especialização em Patrimônio Espeleológico (Universidade de Passo Fundo-UPF e Fundação Casa da Cultura de Marabá-FCCM). Ele é Mestre em Educação, na área de Educação, Sociedade e Cultura (FE-UNICAMP) e Doutor em Ciências, na área de Geografia Física (FFLCH-USP). É espeleólogo e ambientalista, tendo sido fundador ou ativo participante de diversas entidades, Grupo de Estudos Ambientais da Serra do Mar (GESMAR), Fundação SOS Mata Atlântica, Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), Sociedade Brasileira de Ecoturismo (SBEcotur) e é atual membro do Grupo Espeleológico AJAU (Yucatán, México). Além da atuação em diversas redes de Educação Ambiental (REPEA, REBEA, RUPEA, REA-ABC, REASA, REDE-LUSO, entre outras).

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