Sérgio Ricardo é um artista múltiplo. Compositor, cineasta, artista plástico, escritor, sua obra é uma das mais significativas da cena cultural brasileira desde os anos 1960, assim como é uma das mais desconhecidas. Esse desconhecimento não é apenas relativo ao grande público, aos circuitos do “mercado”, mas também diz respeito aos historiadores, críticos e produtores culturais em geral. Sua obra musical do início dos anos 1960 pode ser considerada fundacional de uma nova música popular brasileira, marcada pelo encontro do lirismo e do engajamento, dos acordes sutis e da busca dos sons populares. Ricardo transitou pelo bolero, pelo samba-canção, pelo samba, pelo jazz, pelo choro, pelo repente. Dialogando com os jovens do CPC da UNE, mas sem aderir aos princípios redutores do que se entendia por “arte engajada”, Sérgio Ricardo criou também no campo do cinema e das artes plásticas, com bastante maestria. Na fatídica “Noite de 67”, em plena efervescência dos festivais da canção, momento de virada da vida cultural brasileira na direção de uma nova etapa de mercado, Sérgio Ricardo quebrou seu violão, em sentido literal e metafórico. Sua recusa irascível do ambiente de festival marcou seu destino dentro do mercado, inaugurando um retiro estratégico não em busca do silêncio, mas em busca da liberdade existencial e criativa. Um produtor cultural e artista múltiplo, cuja trajetória e obra, revisitada neste livro, ainda nos exigem contemplação e crítica.
Marcos Napolitano
(Depto. de História/Universidade de São Paulo)