DESCRIÇÃO
No décimo ano do laboratório de pesquisa e extensão Além da Tela: Psicanálise e Cultura Digital, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aproveitamos a oportunidade para retomar o clássico freudiano Das Unbehagen in der Kultur, publicado em 1930. Elaborado em 1929, no contexto da “grande depressão econômica” ocasionada pela quebra da bolsa de Nova Iorque e posterior à traumática experiência da 1ª Guerra Mundial, o texto revela o desencanto do autor para com o desenvolvimento cientíco e tecnológico, que proporciona não somente avanços culturais e sociais, mas também segregações, violências e mortes, além da destruição do patrimônio cultural.
Se a cultura abrange o saber que os seres humanos adquiriram para contornar sua precariedade constitucional e os dispositivos necessários para regular as relações sociais, as três principais fontes de sofrimento humano — o corpo, as forças da natureza e os laços sociais — mostram o fracasso desse projeto. O mal-estar apresenta-se na nitude do nosso corpo, na força incontrolável da natureza e na fragilidade dos laços sociais. O real é o nome desse obstáculo ao trabalho da cultura.
Embora publicado há quase um século, o texto surpreende-nos pela sua atualidade. Sua originalidade está em revelar que a impossibilidade de se alcançar a plena felicidade ocorre não só pelo con-ito entre as exigências culturais e as forças pulsionais, mas, principalmente, pelo antagonismo entre Eros e a pulsão de morte.
A indissociabilidade entre o psíquico e o social indica que os sintomas se articulam aos laços discursivos predominantes em cada época. A Era Vitoriana foi marcada por forte repressão moral, que impunha uma barreira ao gozo. A cultura capitalista neoliberal é marcada pelo imperativo de gozo. O declínio da ordem simbólica e a ascensão do objeto a na cultura produzem sintomas marcados por um excesso de gozo, desvinculado do Outro, com incidências no laço social.
A internet e as tecnologias digitais surgem no nal do século XX como um produto da estreita associação entre a tecnociência e o mercado. A cultura digital ergue-se no apogeu do neoliberalismo como resultado do lugar de centralidade que as tecnologias digitais passaram a ocupar na vida social. Parece claro que as ressonâncias sociais e subjetivas da expansão tecnológica se fazem sentir em todas as fontes de mal-estar e sofrimento humano apontadas por Freud. A partir dessa premissa, indagamo-nos: o que caracterizaria o mal-estar na cultura digital?
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