As infâncias em um bairro em processo de urbanização: o ponto de vista das crianças é uma obra primorosa da psicóloga e professora universitária Zuleica Pretto que, por meio de uma experiência etnográfica, convida-nos a um profundo mergulho no universo infantil. Mergulho este do ponto de vista das próprias crianças, que ao narrarem suas histórias e experiências de vida, em um bairro tradicionalmente de pescadores na Ilha de Santa Catarina, vão mostrando-nos os processos de transformação urbana e os impactos que as dimensões macroestruturais dos ditos “processos modernizadores” trazem para o plano local e suas vivências cotidianas. Como compreender esses impactos no contexto de uma escola pública, no dia a dia das relações familiares, nas alterações das paisagens naturais e nas mudanças de possibilidades de lazer? São as crianças que dão as respostas a essas indagações, por meio das letras de Zuleica que, existencialista que é, vai amarrando o leitor na trama dialética entre experiências singulares, encharcadas de subjetividade, relações humanas e as exigências contextuais, sejam as locais ou aquelas características de uma determinada época histórica. Por isso, a pesquisa revela uma “infância situada”, ou seja, leva-nos por meio das situações vividas no bairro Campeche (nome manezinho para Champ de Pêche, denominado por Saint-Exupéry quando ali aterrissava seu avião, como ponto de parada para seu correio postal entre a França e a Argentina, entre os anos de 1929-1931), a compreender de forma mais aprofundada o dito sartriano de que todo sujeito é um universal-singular. A partir das narrativas de vivências escolares, de leituras na Biblioteca Livre do Campeche (Bilica), de brincadeiras pelas ruas, praças, campos e praia, de suas experiências no universo familiar e seu caráter mediador na construção de um campo futuro de possibilidades, aquelas crianças colocam-se como atores sociais importantes para que a nossa compreensão sobre a infância e as transformações urbanas ganhe uma nova magnitude. Por isso, você está convidado a se aventurar nesta leitura e, quem sabe, tocado pelos seus traços narrativos, retomar suas próprias experiências infantis e relembrar como construía o mundo ao seu redor quando ainda tateava na busca das definições de seu projeto de ser.