Educação Integral x Tempo Integral x Tempo Parcial – Possibilidades
Por: Teresinha Morais da Silva – Autora do livro Educação Integral ou Parcial? Reflexões para além da extensão do tempo (Editora Appris, 2019).
Pesquisas divulgam que a compreensão da concepção de educação integral no Brasil passa impreterivelmente pelo estudo do pensamento educacional das décadas de 20 e 30 do século XX. A concepção de educação integral, ancorada na extensão do tempo escolar, esteve presente na obra de Anísio Teixeira, entre os anos de 1920 e 1960. Anísio Teixeira foi integrante do movimento educacional renovador brasileiro espelhado no escolanovismo difundido na Europa e EUA. Os participantes do movimento da Escola Nova queriam a igualdade entre as pessoas e o direito de todos à educação por meio de um sistema público de ensino, além da quebra nos padrões tradicionais. Propunham que a educação promovesse a integração do indivíduo à sociedade, tornando-o capaz de questioná-la e dela participar como um cidadão democrático, consciente e autônomo. Anísio Teixeira foi integrante do grupo de 26 educadores que produziram em 1932 o Manifesto dos Pioneiros da Educação (defesa de uma escola pública, estatal, gratuita e de qualidade), entendia a necessidade de promover mudanças no currículo escolar, não sendo possível a escola permanecer oferecendo atendimento em quatro horas, tampouco não incluir habilidades necessárias à vida em sociedade.
Portanto, a defesa da escola integral teve início na época em que o Brasil vivia uma necessidade de democratização da escola primária que, além de não oferecer acesso a todos, sequer considerava o sujeito como parte do processo educativo. O currículo priorizava as práticas e métodos tradicionais, pois se acreditava que o sujeito aprendia por meio da memorização e repetição do conteúdo. Nessa perspectiva, pode-se considerar que a ação dos pioneiros do movimento escolanovista foi um importante processo de mudança para a educação e para o currículo escolar. Com o desenvolvimento da industrialização e a crescente urbanização da população – que podem ser considerados processos indissociáveis, em nível mundial – colocaram a necessidade de se educar a população. É processo semelhante ao que ocorre entre nós na atualidade, e cuja intensificação se pode notar pela exigência de que o alunado seja preparado para os novos desafios decorrentes da presença cada vez maior da tecnologia, em todas as atividades, sejam pessoais ou profissionais.
Constata-se no Brasil do século XXI a difusão de inúmeros programas educacionais de governos estaduais e municipais que incorporam o conceito de educação integral. Vale salientar que todos os programas foram respostas localizadas em um processo mais amplo, que culminou com a inserção da educação integral na legislação brasileira. Entretanto, apesar dos esforços para a implementação de programas de extensão de jornada escolar, as escolas com jornada integral ainda são minoria. “Diante disso, faz-se necessário rever algumas ações no sentido de qualificar a educação oferecida nas escolas de tempo parcial e na contribuição dos princípios da educação integral para esse processo de qualificação” (SILVA, 2018, p. 91).
A partir dos marcos legais que referenciam a demanda por educação integral, é possível perceber que esse debate não encontra espaço quando a referência são as escolas de tempo parcial, pois historicamente, nota-se o estabelecimento de relação entre a educação integral e a ampliação da jornada escolar. No entanto, entende-se que a educação integral visa a um desenvolvimento pleno dos estudantes, e que a ampliação dos espaços educativos deve ser considerada, para além da sala de aula e dos conteúdos disciplinares. Esse movimento de ampliação tem o sentido de emancipação, de autonomia. Afinal, não se educa para a vida sem que o indivíduo seja autônomo e tenha acesso a diferentes fontes de informações, as quais podem proporcionar caminhos distintos. A educação integral como concepção de educação deve reconhecer as diferentes dimensões dos estudantes – intelectual, física, emocional, social e cultural – e essas dimensões manifestam-se no contexto do ser, conviver, conhecer e fazer.
Com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, a educação integral tem como finalidade a formação e o desenvolvimento global dos estudantes, entendendo “a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva” (BNCC, 2017, p. 14). Apresenta três elementos estruturantes desse paradigma educacional. São eles: visão de estudante, desenvolvimento pleno e integração curricular. A BNCC indica que a educação integral propicie uma educação sem fragmentação dos componentes curriculares e que tenha sentido para os estudantes, uma educação que promova conexão entre o conhecimento e a vida. O documento também ressalta a importância da valorização do contexto do estudante para que seja dado sentido ao que se aprende, e destaca o “protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida” (BNCC, 2017, p. 15). Constata-se na BNCC que a ampliação da jornada não é condição para a educação integral. Entende-se que a ampliação da jornada pode ser um fator favorável, mas a educação integral demanda um currículo a altura da sua abrangência.
Diante do exposto, o currículo, necessariamente, deve ser integrador e os estudantes serem reconhecidos como sujeitos de direitos, que devem ter a oportunidade de opinar e participar de escolhas, garantindo uma participação autônoma e solidária, que deve ser constantemente aprimorada no ambiente escolar, a fim de que desenvolvam a identidade e aprimorem a criticidade, a colaboração, a responsabilidade e a autonomia com vistas ao desenvolvimento pleno. Somente um currículo integrador pode promover a valorização de saberes oriundos das diferentes culturas e conhecimentos que chegam às instituições de ensino. Somente um currículo integrador favorece o reconhecimento das necessidades, para que os estudantes construam e reconstruam sempre que necessário seus projetos de vida. Dessa forma, reconhece que a educação integral começa com o vínculo que se estabelece não pelo tempo de permanência, apesar de esse ser um fator favorável, mas pelo currículo que articula o conhecimento, que integra os saberes e assim projeta os estudantes para a vida.
Para saber mais sobre o tema, conheça a obra Educação Integral ou Parcial? Reflexões para além da extensão do tempo (Editora Appris, 2019).
Teresinha Morais da Silva
Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Especialista em Tecnologias em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUCRJ, especialista em Gestão e Organização Escolar pela UniÍtalo, graduada e licenciada em Letras pela Faculdade Paulistana de Ciências e Letras. É docente da rede pública do estado de São Paulo (desde 1994). Possui experiência como coordenadora pedagógica do ensino fundamental (anos iniciais). Na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, atuou como formadora, integrou as equipes de coordenação e acompanhamento de Programas e Projetos de Educação em tempo integral. Redatora do Currículo Paulista (Concepção de Educação Integral). Atua nas áreas de Educação Básica, Currículo, Formação Continuada de Professores e Gestão Escolar.
Deixe um comentário