FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA/DA EDUCAÇÃO INFANTIL
17/03/2022 – Por: Maria Lúcia de Resende Lomba organizadora de Relatos e Vivências de Profissionais na Educação Infantil: Reflexões sobre a Docência – Volume 1
No Brasil, foi em virtude das especificações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996), a partir da década de 1990, que os processos de formação inicial e aperfeiçoamento profissional continuado das professoras da educação infantil (EI) – reconhecidos a partir dessa lei como docentes, guardadas as especificidades – passaram a ser discutidos com maior intensidade (FARIA; PALHARES, 2007). Contudo, referindo-se à formação de professores/as para os anos iniciais do ensino fundamental (EF) e para a EI, especialmente no tocante à parte curricular dedicada à formação docente, Gatti (2010, 2012, 2013, 2015), ao abordar as finalidades da educação e da escola básica na sociedade brasileira contemporânea, relata-nos que, mesmo após a promulgação da LDBEN (BRASIL, 1996), importantes referenciais formativos encontram-se ausentes ou fragilmente presentes na maior parte dos cursos de pedagogia, responsáveis também pela formação das professoras na EI.
Especialmente na EI, diante da complexidade que envolve o trabalho de cuidar e educar bebês e crianças, é necessário considerar que há uma complexa rede de fatores que concorrem tanto para a formação docente inicial quanto para a continuada ao longo da profissão. Estudos desenvolvidos por Nóvoa (1988, 1995, 2007, 2019) nos dizem que as práticas docentes se desenvolvem na articulação entre elementos da trajetória de vida, da teoria pedagógica e das injunções político-institucionais que irão constituir as disposições, concepções e orientações no exercício da profissão. Isso quer dizer que os modos pelos quais nos tornamos os/as professores/as que somos incorporam elementos da formação profissional, assim como da trajetória pessoal: experiências familiares, escolares e de outros espaços sociais.
É nesse sentido que trabalhar com as histórias de vida das professoras na EI poderá nos auxiliar a compreender como cada docente percebe as crianças. Para Kramer, Jobim e Souza (1996), trata-se de conceber a escola como local privilegiado de produção e não de transmissão de conhecimentos, em meio às condições de trabalho docente, favorecendo as professores a falarem de suas vidas, de suas histórias, ampliando seus conhecimentos a respeito da implicação pessoal como componente da prática profissional.
Enfim, um processo de formação que se desenvolve ao longo da vida de cada professor/a e que, em suas trajetórias formativas, estes criam e recriam sua própria formação, formando-se e transformando-se num processo contínuo (NÓVOA, 1988, 1995, 2007, 2019). Nesse caminho, também compreendo o desenvolvimento profissional docente como um percurso, uma vez que estão em constante reelaboração das vivências cotidianas nas instituições e suas histórias de vida (LOMBA, 2020, 2021). Trata-se em uma formação – inicial e continuada – que estimule as professoras a falarem de suas memórias, lembranças, numa atitude crítica-reflexiva. Essa abordagem requer, por parte das docentes, reflexões sobre referências construídas ao longo da vida como mães, filhas e alunas, visto que essas referências, por vezes, são mobilizadas pelas professoras ao cuidarem e educarem bebês e demais crianças em contexto coletivo.
Para saber mais sobre o tema:
BRASIL. Lei n. 9.394, de 23 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília: MEC, 1996.
FARIA, Ana Lúcia Goulart de; PALHARES, M. S. (org.). Educação infantil pós-LDB: rumos e desafios, 6. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.
GATTI, Bernardete Angelina. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out./dez. 2010.
GATTI, Bernardete Angelina (org.). Análises pedagógico-curriculares para os cursos de licenciatura vinculados às áreas de artes, biologia, história, língua portuguesa, matemática e pedagogia no âmbito da Uab e Parfor. Documento Técnico. Brasília: Unesco/Mec/Capes, 2012.
GATTI, Bernardete Angelina. Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses. Educar em Revista, Curitiba, Editora UFPR, n. 50, p. 51-67, out./dez. 2013.
GATTI, Bernardete Angelina. Formação de professores para a Educação Básica: políticas nacionais e impasses. In: XXI SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA. Anais eletrônicos… 2015. Fundação Carlos Chagas. Uberlândia: 26 a 30/01/2015.
KRAMER, Sônia; JOBIM E SOUZA, Solange. Experiência humana, história de vida e pesquisa: um estudo da narrativa, leitura e escrita de professores. In: KRAMER, Sônia; JOBIM E SOUZA, Solange (org.). Histórias de Professores: leitura, escrita e pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Ática, 1996. v. 10. p. 7-42.
LOMBA, Maria Lúcia de Resende. Docência na Educação Infantil: percursos de vida, formação e condições institucionais das experiências de professoras no cuidado e educação de crianças de 4 e 5 anos. 2020. 248 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, 2020.
LOMBA, Maria Lúcia de Resende Lomba. Relatos e vivências de profissionais na Educação Infantil: reflexões sobre a docência. 1. ed. Curitiba: Appris, 2021. v. 1.
NÓVOA, António. A formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no projeto Prosalus. In: NÓVOA, António; FINGER, Matthias (org.). O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde. Depart. dos Recursos Humanos da Saúde/Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1988. p. 107-129.
NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, António (org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p. 15-34.
NÓVOA, António. Os professores e as histórias de sua vida. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 2007. p.11-30.
NÓVOA, António. Entre a formação e a profissão: Ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, p. 198-208, 2019.
Maria Lúcia de Resende Lomba
Em 2022, encontra-se desenvolvendo pesquisa de pós-doutorado sob a supervisão do Prof. Dr. Antonio Nóvoa na Universidade de Lisboa. Doutora em Educação na linha de pesquisa Infância e Educação Infantil, pelo PPGE/FaE da UFMG. Realizou estágio doutoral no Laboratoire École, Mutations, Apprentissages (ÉMA), na Université de Cergy-Pontoise na França, com apoio da Capes no Brasil e no exterior. Durante o mestrado, realizado na UFES, na linha Cultura, Currículo e Formação de educadores/as, pesquisou a constituição histórica da Educação Infantil no Município de Aracruz (ES). Graduada em Filosofia, em Pedagogia e em História, tem experiência na educação básica desde o início da década de 1990, foi professora efetiva em dois municípios de MG (Ouro Branco e Congonhas) no cargo de professora de História nos anos finais do EF e EM e como Pedagoga concursada (2006-2013) para o trabalho com as professoras e crianças de 0 a 5 anos em instituições municipais de Educação Infantil em Aracruz (ES). Compõe o Conselho Editorial da Revista Brasileira de Educação Básica, uma ação do Pensar a Educação, Pensar o Brasil/UFMG e, como consultora pedagógica, dedica-se à pesquisa e ao trabalho de formação inicial e continuada dos profissionais na EI, com especial interesse nas especificidades da docência com crianças de 0 a 5 anos; nas relações entre crianças x professoras e entre família x escola; e na área de Pedagogia de Projetos em instituições de EI.
Orcid: 0000-0003-4296-3633
E-mail: mlresende@gmail.com
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