GESTÃO POR COMPETÊNCIAS E GESTÃO POR PROCESSOS: uma combinação possível?
GESTÃO POR COMPETÊNCIAS E GESTÃO POR PROCESSOS:
uma combinação possível?
André Freitas (*)
O atual panorama econômico faz com que as empresas revejam suas prioridades, redirecionem seus projetos e repensem suas estratégias. Afinal, se o dinheiro está escasso, deve-se pensar muito bem onde e como aplicá-lo. Nesses momentos os gestores, com razão, pensam primeiramente em cortar gastos, afinal diz uma regra básica que só se deve gastar o que se tem. O que não se tem não se gasta, ponto! Mas há um outro aspecto que deve ser considerado. É que a utilização dos recursos (gastos financeiros, consumo de materiais etc.) de uma empresa é o resultado direto do trabalho das pessoas. Se as pessoas realizam bem o seu trabalho os recursos são bem aproveitados, caso contrário não. Não é novidade nenhuma que são as pessoas que podem trazer ganhos e economias, mas, em muitos casos, ainda falta a disposição estratégica de incluir a gestão das pessoas no lado certo da equação financeira. Por entenderem que “o RH é custo”, focam exclusivamente em fluxo de caixa, corte de despesas (especialmente treinamentos) etc. e esquecem que os resultados financeiros são apenas consequência de como as pessoas realizam seu trabalho.
Defendo que o RH não é custo e que gestão de pessoas não é o “trabalho” do RH; gestão de pessoas é o “trabalho” do gestor e a essência da empresa privada ou organização pública. O olhar sob este prisma chama, necessariamente, a atenção dos gestores para o tema Gestão por Competências como uma resposta estratégica aos desafios financeiros e mercadológicos. Contudo, algumas perguntas ainda incomodam: o que é essa tal de gestão por competências? Não é mais uma moda passageira como tudo em administração? O velho e bom perfil profissional já não atende? Como implementar na prática? Os conceitos e técnicas difundidos estão maduros o suficiente e se aplicam a qualquer tipo de empresa? Como medir as competências? E, principalmente, é possível conectar claramente competências com resultados operacionais e, claro, financeiros?
Bem, entendo que não existem respostas definitivas para todas essas perguntas, mas existem caminhos. Considero que dois fatores se destacam: trabalhar com uma metodologia simples e robusta e fazer uma conexão clara entre competências e processos de trabalho. Há anos, ao fazer uma apresentação para um cliente, o presidente da empresa me interrompeu e disse: “Mas André, isso não é apenas a sistematização do bom senso?” e eu tive que lhe dar razão. A palavra-chave é esta: sistematização. E isso falta em grande parte dos casos, onde o que se chama de gestão por competências, nada mais é do que uma relação de características pessoais genéricas (liderança, resiliência, empatia etc.), sem conexão com os processos de trabalho, travestida de perfil de competências.
Mas, afinal, o que é competência? A maioria dos autores define competência como a combinação sinérgica de “conhecimentos, habilidades e atitudes” (o famoso CHA). Esta definição é conceitualmente correta, mas pouco prática quando se quer aplicar algum critério de medição. A pessoa pode ter conhecimentos, habilidades e atitudes e, ainda assim, não obter o resultado requerido. Le Boterf[1] associa competência àquilo que a pessoa realiza no trabalho, já Joel Dutra[2] afirma que “[…] podemos falar de competência apenas quando há competência em ação […]”, ou seja, só faz sentido investir em gestão por competências se a conectarmos aos processos de trabalho e aos resultados requeridos. Mas… como fazer?
Considero que antes de mais nada, sempre que possível, é necessário “ouvir o mercado”, ou seja, descobrir o que é valor para o mercado no qual a empresa está inserida, quais são as necessidades e desejos do público-alvo e qual a importância relativa de cada uma delas. A seguir, com base nestas informações preciosas, é necessário definir os desafios estratégicos que a empresa se propõe enfrentar e quais os indicadores-chave (KPI) que sinalizarão o sucesso ou insucesso. Com isso pode-se definir quais são os processos que causam impactos mais intensos nesses indicadores. No passo seguinte é necessário redesenhar estes processos buscando simplicidade e sincronização, a fim de melhorar os KPI. Agora sim podemos determinar quais são as competências, técnicas e comportamentais, necessárias para que as pessoas realizem esses processos com eficiência e com eficácia. A vantagem desta linha de raciocínio (partindo do mercado e dos indicadores-chave a impactar para chegar às competências requeridas) é a obtenção de foco nos processos críticos com consequente melhor aproveitamento dos esforços. Isso não é o que acontece em grande parte dos projetos de reestruturação, pois muitas vezes perdem o foco ao procurar redesenhar todos, ou o maior número possível, de processos de trabalho. O que está sendo sugerido aqui é redesenhar inicialmente apenas aqueles processos de alto impacto, ou seja, ir direto ao ponto. Depois, como um desdobramento, na medida da possibilidade e da oportunidade, pode-se ir redesenhando os demais processos e estabelecendo as respectivas competências requeridas.
O que se propõe é um Sistema[3] de Gestão por Competências, com base em processos de trabalho, que provoque uma mudança de orientação da antiga “função RH”, baseada principalmente em tarefas e controles (sustentada pelo antigo modelo de Departamento de Pessoal, o “DP” das administrações tradicionais), para uma atuação sistêmica que privilegie o desenvolvimento profissional das pessoas com vistas à obtenção de resultados. Esta nova orientação considera que as pessoas não são meros recursos (humanos), mas sim elementos impulsionadores da inteligência organizacional.
Está sendo proposto um sistema que trabalha em duas frentes. Na primeira, ao comparar as competências requeridas (necessárias à realização dos processos de trabalho priorizados) com as evidenciadas (apresentadas pelas pessoas), relaciona as lacunas de competências. Em outra frente, a comparação dos resultados esperados com os resultados efetivamente obtidos mostra realizações superiores ou inferiores ao requerido. A análise das competências (análise qualitativa) e dos resultados (análise quantitativa) das pessoas, no processo de Avaliação de Desempenho por (meio de) Competências, de forma a mostrar faltas e excessos, necessidades e potencialidades, norteia as estratégias de desenvolvimento e orientam os processos de capacitação, recrutamento, e movimentação interna. O objetivo é encontrar “o lugar certo para a pessoa certa” (foco na pessoa) e não colocar “a pessoa certa no lugar certo” (foco no lugar), com o consequente ganho de produtividade.
(*) André Freitas
Consultor em Gestão Empresarial com foco em Gestão de Pessoas por Competências e Gestão por Processos de Trabalho.
É professor da FGV/RJJ.
alfreitas@alfreitas.com.br
www.alfreitas.com.br
Para saber mais sobre o tema, consulte o livro Gestão de Pessoas por Competências – um modelo prático para implementação.
[1] Le BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
[2] DUTRA, Joel de Souza. Competências: conceitos e instrumentos para a gestão de pessoas na empresa moderna. São Paulo: Atlas, 2004.
[3] Uma visão sistêmica da organização nos mostra que todo evento está relacionado e interage com outros eventos. Nada ocorre sozinho.
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