O que está por trás do que comemos?
Por Ana Luiza da Gama e Souza, autora de O que está por trás do que comemos?
Hoje em dia, há um grande debate sobre saúde pública e a qualidade dos alimentos que colocamos na mesa. Mas será que quando comemos o que comemos é garantido em termos de um alimento saudável?
Quando compramos uma alface na feira achamos que estamos comprando direto do Seu Osvaldo (feirante que traz suas hortaliças da sua plantação na zona serrana do Rio de Janeiro). O que você não sabe e o seu Osvaldo também não, é que o “defensivo agrícola” usado para garantir a colheita é altamente prejudicial à saúde. Este “defensivo agrícola” está envolvido em uma grande estratégia econômica, e não apenas por que os pesticidas – muitos deles – fazem mal à saúde. Vários pesticidas são proibidos em diversos países, e seu uso indiscriminado provoca diversas doenças, algumas delas, fatais.
O uso indiscriminado de pesticidas no Brasil já vem de longa data, sendo líder no consumo de agrotóxicos, inclusive aqueles já proibidos na União Europeia e no resto do mundo. Estas substâncias conhecidas como agrotóxicos ou pesticidas, são substâncias químicas utilizadas na indústria de alimentos para o cultivo, tanto das monoculturas como: arroz, soja e milho; quanto nas verduras, hortaliças e frutas. Isso significa que a comida que chega no prato dos brasileiros, ou pelo menos em grande parte deles, já vem contaminada com substâncias químicas nocivas à saúde e ao meio ambiente, como água, ar, rios e vegetação.
A questão é: o que está por trás do que comemos? A comida sempre foi central na minha vida. Sempre me preocupei em comer saudavelmente. Mas, esta preocupação pessoal é também a minha preocupação social como pesquisadora. Para mim, comer bem é questão de justiça.
A preocupação com as questões de ordem privada, como o mercado econômico e seus limites éticos e jurídicos construíram toda minha carreira como pesquisadora.
Minha pesquisa busca tentar desvendar o que está por trás do que comemos; o que acontece desde o momento em que as sementes são plantadas até chegarem como alimento na nossa mesa. Este processo é longo e complexo: longo porque inclui o cultivo da semente, transporte, armazenamento, processos industriais, comercialização e distribuição; e complexo porque todo este processo é global. Assim, a semente que é cultivada aqui está relacionada à indústria global de tecnologias bioquímicas. Isso só acontece porque se alega, como justificativa para esta prática, que há escassez de alimentos e que é necessário produzir cada vez mais, o que não é verdade, o que há é desperdício e má distribuição. Na prática significa que as sementes plantadas já são modificadas geneticamente para serem resistentes aos pesticidas. Desta forma, é como dizer que compramos o pacote todo que não é vendido separadamente.
As grandes empresas que produziam sementes se aliaram às tecnologias de modificação genética e as de pesticidas, formando um conglomerado de apenas quatro grandes empresas mundiais que vendem este pacote para o resto do mundo.
Existem alternativas que já são pensadas e praticadas para desvincular a agricultura deste mercado tão fechado, como por exemplo abrindo para a agricultura familiar, assim, com novos estudos que abrem para uma agricultura verdadeiramente sustentável e que não implica em riscos à saúde das pessoas ou ao meio ambiente. Este é verdadeiramente um problema social, pois o grupo mais atingido são justamente os mais vulneráveis, com acesso a alimentos altamente contaminados pelos pesticidas, incluindo os próprios agricultores e suas famílias.
Lidar com este problema exige leis apropriadas, eficientes e adequadas; políticas públicas efetivas; e, mecanismos globais que possam envolver as empresas do mercado de alimentos para que atuem de forma mais sustentável. Pensar em novas formas de governança e empenhar a sociedade civil se torna, então, de grande emergência. Tornar acessível este conhecimento se torna mais do que uma missão acadêmica ou pessoal, pois possui um fim social de extrema importância na garantia dos Direitos Humanos, visto que a saúde é nosso bem maior.
Ana Luiza da Gama e Souza é uma Jovem Cientista do Nosso Estado/ Faperj, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, doutora em Ciências Jurídicas e Sociais, doutora em Filosofia, pesquisadora com mais de 20 anos de experiência, advogada e autora de vários artigos e livros. Escreveu o livro: “O que está por trás do que comemos: o mercado de alimentos sob a ótica dos Direitos Humanos.” Ed. Appris, 2022.
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