Quando a escola entende a sua função social
Quando a escola entende a sua função social
Ruth Meyre M. Rodrigues
Qual é o papel da escola? A quais interesses a sua organização e o seu currículo atendem? O que educação tem a ver com política? Como a educação pode contribuir para o enfraquecimento da malversação?
Nos últimos anos o debate sobre o papel dos dirigentes estatais e as linhas ideológicas de suas ações tornaram-se muito latentes e, sobretudo, conflitantes. Diante de escândalos e disputas, por vezes antiéticos e violentos; de casos de corrupção como o que estão ligados ao chamado “orçamento secreto”, por meio do qual uma grande parcela de recursos públicos é distribuída entre parlamentares livre de qualquer forma de controle de como será utilizada; da quantidade exorbitante de notícias falsas ou distorcidas disseminadas por agentes públicos; dos ataques às instituições e à própria democracia; da negação da ciência; do controle e alienação promovido por grupos religiosos fundamentalistas, do descaso com os grupos minoritários com destaque ao abandono do povo yanomami, em Roraima; sem suma, diante de uma forma de governar que define quem vive e quem morre ao lado de inúmeros outros fatos não citados aqui, suscitamos o debate sobre o papel do Poder Público.
Avaliamos que esse cenário evidencia um aprimoramento e atualização de práticas eugênicas na estrutura estatal. Isso significa dizer que no processo de definição, formulação e implementação de Políticas Públicas (ou na ausência delas), o Estado revela o caráter historicamente higienista, excludente e opressor de cunho racista, machista, LGBTfóbico, etnocêntrico etc. Dentre os mecanismos de reprodução dessa lógica destacamos o âmbito educacional tendo em vista que desde a gestão educacional em nível federal, passando pelas gestões estaduais e municipais até alcançar as instituições escolares é possível identificar a manutenção de Representações Sociais preconceituosas. Essa constatação aponta para as intensas fragilidades e obstáculos postos à materialização de ações, no campo da educação, com vistas à promoção da equidade e ao enfrentamento aos preconceitos e aos diversos processos discriminatórios.
Como parte desse contexto, o racismo “tecnologia opressora”, que sobreviveu ao tempo, tem sido um dos principais meios de exclusão e de promoção da morte social ou mesmo física da população negra no Brasil que, historicamente, promove um grande apartheid que velado ou mesmo invisível para grande parte da sociedade segue promovendo consequências perversas. Pensando nisso, alertamos para a necessidade de acendermos uma luz sobre o papel da educação como espaço de conscientização política e de ressignificação de práticas com vistas à construção de uma sociedade menos desigual quiçá verdadeiramente igualitária.
Clamamos pelo papel transformador da escola; pela reestruturação curricular; pela sua potencialidade de cultivar a criticidade e plantar a politização. Isso porque há uma relação muito direta entre a escola e o modelo de sociedade que se quer impor. Considerando, contudo, que a escola é viva e a realidade é dinâmica, seu viés que produz a manipulação e a alienação pode e deve ser demolido abrindo caminhos para o protagonismo político e cedendo lugar à resistência popular historicamente constituída.
Essa não é uma tarefa simples, mas é bastante factível. Acreditamos no potencial dos(as) profissionais da educação no processo de adoção de práticas exitosas resultantes do ativismo político e social. Isso significa dizer que mesmo consciente de que existem limites e obstáculos, enxergamos diversas possibilidades e múltiplos caminhos para o enfrentamento de práticas discriminatórias pautadas no pertencimento racial que habitam o cotidiano escolar. E, como consequência, ansiamos que essa nova realidade contamine toda a sociedade para que as mudanças, já tão atardadas, permitam o nascimento de uma sociabilidade não mais pautada no lucro e na exploração, que são os pais da hierarquização social, das injustiças, da fome, da exclusão e da morte.
Para saber mais:
RODRIGUES, Ruth Meyre Mota. Os bem-nascidos: racismo, eugenia e educação no Brasil. 1. ed. – Curitiba: Appris, 2023.
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