Um Olhar Junguiano para o Tarô de Marselha
25/01/2022 – Por: Carlos Alberto de Oliveira Araujo autor de Um Olhar Junguiano para o Tarô de Marselha
Uma análise da disposição e das imagens dos arcanos maiores do Tarô de Marselha à luz da Psicologia Analítica no processo de desenvolvimento da consciência e da personalidade.
Considerações:
– Quando demarco esse “olhar junguiano”, eu estou me colocando em um lugar de observação para o mundo psicológico sob os pressupostos desenvolvidos por Jung.
– Para a Psicologia Analítica, o mundo psicológico sempre se expressa por meio de imagens que dão para a consciência uma realidade para ser experimentada.
– É essa imagética que constrói a nossa concepção de mundo e nossa expressão individual.
– Quando eu busco uma aproximação entre as figuras desenhadas nas cartas do Tarô com os pressupostos junguianos de desenvolvimento da consciência e o desenvolvimento da personalidade, minha proposta é despertar uma curiosidade sobre uma finalidade, contida no ordenamento e nas imagens retratadas, com o processo psíquico de formação da consciência desenvolvido por Jung.
– Vale destacar que na consciência, junguianamente falando, toda transformação consiste em uma nova referência psicológica, e, portanto, vai sempre incidir em um novo processo que se põe em desenvolvimento. A ideia de morte e renascimento norteia todo o processo de individuação.
– Para descrever essa analogia que pretendo realizar é interessante destacar o conceito junguiano de símbolo – simbólico – e simbolismo. Vale uma rápida exposição:
O símbolo constitui, para Jung, um padrão de atuação na psique que transforma os valores psicológicos. Esse funcionamento é arquetípico e vai atuar para uma constante mobilização e regulação dos valores psicológicos vigentes. Um novo valor psicológico, transformado pelo símbolo, passa a ser uma nova referência para a organização psíquica daí por diante, e é percebido pela consciência como superior à sua força egóica, ou seja, passa a ser simbólico para aquele indivíduo. Assim, o termo simbólico já é uma particularização. O que é simbólico para mim não será necessariamente simbólico para outra pessoa.
Como a nossa consciência não consegue abarcar todo esse simbólico envolvido, as imagens que aparecem para o ego são revestidas de um simbolismo próprio que só em parte pode ser apreendido por elas. Esse simbolismo foi construído ao longo das experiências humanas e é trazido por um rastro cultural coletivo.
Essa relação entre o simbolismo, que personifica a imagem na consciência, e o símbolo, que está atuando nas transformações da energia psíquica em sua mobilização nos processos psicológicos, passa a interferir na consciência que se percebe em transformação.
Segundo Jung, na obra Tipos Psicológicos (2014, p. 909):
Um símbolo é vivo (atuante) só quando é para o observador a expressão melhor e mais plena possível do pressentido e ainda não consciente. Nessas condições ele operacionaliza a participação do inconsciente. Tem efeito gerador e promotor de vida. […] A carga (tensão) de pressentimento e de significado contida no símbolo afeta tanto o pensamento como o sentimento; e a plasticidade que lhe é particular, quando apresentada de modo perceptível aos sentidos, mexe com a sensação e com a intuição.
Falando mais sobre o simbólico no simbolismo, Jung, no seu livro Seminários sobre análise dos sonhos, traduziu trazendo como exemplo a imagem do “caldeirão”:
No início havia um buraco no chão, e depois uma chaleira dentro da qual eles jogavam água, carne e pedras muito quentes. Um pensador entre eles perguntou; “O quê estão fazendo? Ah, isso é feito em vez do buraco na pedra onde nossos ancestrais cozinhavam”. Ele ligou as duas coisas.
Aquela ligação reflexiva traduziu um simbolismo inerente à imagem da chaleira que passou a constituir-se parte da sua simbologia. De acordo com Jung:
As bruxas antigas tinham chaleiras, os alquimistas tinham seus cadinhos, então isso nos remete diretamente ao buraco no chão… Esse é o lugar primordial, o buraco para cozimento original onde as coisas são produzidas. O inconsciente se apropria do ato de cozinhar como símbolo da criação e transformação. As coisas entram cruas e saem novas, transformadas.
– Então, para fazermos essa nossa análise das cartas, psicologicamente falando, estaremos nos referindo a uma atuação de um símbolo; da sua personalização simbólica; e da validação de uma simbologia que lhe é inerente.
– É esse o principal foco da nossa discussão no livro. Só não esperem grandes pesquisas sobre o simbolismo envolvido nas imagens. Isso demandaria outra pesquisa mais aprofundada que envolveria outras áreas do conhecimento. Para o desenvolvimento da consciência e da personalidade, o que nos interessa diz respeito a “como” essas imagens nos afetam e constroem as referências para as apreensões da consciência.
– Resumidamente, o livro vai tratar do mistério que envolve o “viver” da vida psicológica.
A gênese do mundo e dos fenômenos naturais sempre foram alvos de suposições filosóficas, religiosas, antropológicas…
Foram contadas pelas crendices folclóricas, pela mitologia dos povos, pelo imaginário dos contos de fadas…
Isso sem contar que os avanços da física atômica e da física quântica descortinaram as limitações da consciência dos processos perceptivos…
Ao se debruçar sobre essa construção da consciência, a psicologia se vê obrigada a encarar esse mistério que envolve a sua concepção. Daí a importância da simbologia das imagens. É o nascimento de uma consciência que vai precisar o momento em que um indivíduo existe e que passa a fazer parte de uma realidade objetiva construída pela maneira como suas experiências, com o mundo e com os outros, escreverão sua história particular, junguianamente falando: “como ele estará vivendo o seu mitologema”.
– Voltando ao nosso livro, ao analisar as imagens das cartas do Tarô de Marselha, percebemos que esse mistério da gênese da consciência foi exposto e traduzido por um ordenamento proposital e intencional para o conhecimento que vigorava na época em que as cartas foram cunhadas. A possibilidade de uma analogia atualiza nossos entendimentos, já que a psicologia é uma ciência muito nova.
Então não é à toa que o primeiro arcano seja representado pela carta “I O Mago”. É esse mágico, com sua varinha e a sua mesa de ilusionismo, que inicia a história que o Tarô quer nos mostrar. É por aí também que começamos em nossa análise psicológica a discorrer sobre o nascimento de uma consciência.
Para desenvolver essa nossa análise, utilizei-me de uma maneira de lidar com as cartas que já foi desenvolvida por uma aluna de Jung, com profundo conhecimento do seu pensamento, Sallie Nichoes, na qual ela divide os vinte e dois arcanos em três ordenações que ela denominou de “Reinos”.
Os sete primeiros arcanos é que traduziriam essa gênese com a consequente construção involuntária de uma identidade. A construção de uma autonomia é um processo que define a responsabilidade do indivíduo em sua jornada. Entre “O Mago” e “O Carro” estão as disposições psíquicas que atuarão, para o bem ou para o mal, ou seja, criativa ou defensivamente, nas primeiras referências pelas quais o “ego” vai ter que se virar para se organizar.
Na segunda fileira estariam dispostos, entre os arcanos “VIII – A Justiça” e o arcano “XIV – A Temperança”, os enfrentamentos e as elaborações que vão ser necessários para o desenvolvimento da personalidade que visa o processo de individuação.
Os últimos sete arcanos, entre o arcano “XV – O Diabo” e o arcano “XXI – O Mundo”, estariam relacionados aos estados psicológicos envolvidos que são resultados, psíquicos ou somáticos, dessas interações da consciência com o inconsciente. São esses estados que impelem ou inibem o desenvolvimento da personalidade.
Como deu para perceber faltou um arcano. O arcano sem número: “O Louco”. A analogia de sua imagem perpassa pelo fator de ligação entre os conteúdos psíquicos. Ele é o trickster, é um Hermes, enfim, uma saída sempre ao alcance de um ego fragilizado.
– São com essas premissas que o livro ganhou a sua dinâmica de análise.
Ao se ater a essas imagens, direcionamos nossa atenção para uma introspecção, e, conferindo-lhes uma conotação simbólica, amplificamos o processo consciente de outras possibilidades de ampliação para a elaboração psicológica envolvida pelas fases ou transições que a vida nos impõe.
Deixe um comentário