Por Bira Porto, autor de O Município Cachimbo e o Prefeito Linguiça
A terra do mundo civilizado é dividida por Estados Nacionais, regidos por um conjunto de leis, denominado Constituição, ou lei suprema, entre os quais se insere o Brasil. A Constituição é o principal instrumento do ordenamento jurídico, mas nem sempre é tomada como regra, haja vista que há países que não tem uma Constituição escrita, mas segue um conjunto de leis que acaba dando no mesmo, como é o caso de Israel, um dos Estados mais organizados do mundo. No Brasil, apesar de seguir as regras da segunda maior Constituição do mundo, com 250 artigos e ainda 140 emendas, o Estado toma outro rumo, por conta de uma farofa de letrinhas denominadas siglas partidárias, que não consegue apontar a luz ao tortuoso caminho rumo à produção de satisfação popular. Os preceitos partidários são trocados por prescrições de facções corporativas como a bancada da bola, bancada Rural, bancada da Bíblia e até a bancada da Bala.
O dilema vivido pelo Brasil parece não chegar ao fim e já se aproxima dos 40 anos. Desde a promulgação da Constituição de 1988 o Brasil tropeça nas próprias pernas na tentativa de aprumar o passo a caminho da governabilidade, mas apesar da quantidade de partidos políticos, que deveria ser a via de facilidades, o caminho tem se tornado cada vez mais obscuro, porque ninguém consegue apontar o caminho na direção correta para colocar o país nos trilhos da prosperidade.
Em vias de princípios o partido político representa um conjunto de ideias, inerentes a um grupo de pessoas, que se identifica com os anseios de um povo, segundo às suas necessidades. Contudo, no Brasil, em face ao curto período de convivência democrática, o militante político dificilmente consegue assimilar a mensagem propalada pela agremiação partidária a que está filiado.
Em meados da década de 1960, o regime militar baniu todos os partidos que foram criados no período chamado de Nova República (1932- 1964), dando espaço apenas duas legendas; MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e Arena ( Aliança Renovadora Nacional). Este último era o partido de amparo ao governo militar e o primeiro criado apenas como pretexto a fazer frente ao governo ora instalado.
A partir de 1988, embora de forma mal definida, porque dependeu de emendas posteriores, a nova carta magna deu margem ao surgimento de mais organizações partidárias e um número considerado excessivo, o que deveria contribuir com o exercício democrático acabou bagunçando tudo e até confundindo a atividade política com um negócio altamente lucrativo, uma vez que o partido político dispõe de verbas públicas para a sua manutenção, incluindo as missões eleitorais. Entre as verbas públicas figuram os fundos Partidário e eleitoral. O fundo partidários, que é a verba de manutenção dos partidos gira em torno de R$ 1 Bilhão e duzentos milhões, enquanto o fundo eleitoral se aproxima dos R$ 5 bilhões (R$ 4,9 mi), para serem torrados nas eleições, inclusive a deste deste ano.
Embora o objetivo primário seja a conquista do governo, o partido político é uma organização não governamental sustentada pelo Estado. Grande parte deles não justifica a própria existência ao misturar letras de siglas com bandeiras de lutas. É visível o quão nocivo esse emaranhado aparato partidário dentro do cenário político, isso por conta da falta de critério no recrutamento dos atores políticos para os respectivos quadros. Para uns pode ser uma porta aberta para uma oportunidade de emprego, enquanto para outros representa o primeiro passo para ingresso no mundo do crime sem o risco diário de enfrentamento com a Polícia Militar, uma vez que na visão dos menos avisados, política é sinônimo de ladroagem, entre outros atos escusos e, que, não imputa crimes.
As atribuições designadas aos partidos brasileiros são desvirtuadas pelo modus operandi durante as disputas eleitorais. A concorrência ultrapassa a linha da lealdade dentro de um jogo do vale tudo por um espaço dentro do poder representativo, porque trata-se de um negócio altamente lucrativo. Isso tem transformado os partidos, de entidades altruístas, a organizações criminosas. Recentemente um presidente da República do Brasil, que chegava com a promessa de combater os crimes da política ignorava os partidos e até governou certo tempo sem estar filiado a uma organização partidária.
A visão e a audição são os dois sentidos operados pelo nosso cérebro para as nossas atividades corriqueiras. Entretanto, a falta de um desses sentidos causa limitações irreparáveis ao ser humano. Mesmo assim, o cego enxerga com os ouvidos enquanto o surdo ouve com o os olhos. Mas em si tratando de partido político, a surdez e a cegueira deixam de ser deficiência para se transformar em virtude dentro dos alinhamentos políticos junto ao comando do poder eletivo. O que importa aos partidos é fazer negócios e não ficar olhando o mal feito e nem ficar ouvindo reclamações.
O desinteresse do brasileiro pela política e a despolitização da sociedade, principalmente o público feminino, é reflexo direto da falta de profissionalização dos dirigentes partidários. Para muitos, o partido não passa de uma sigla de duas, três, quatro letras ou um nome de efeito, para agrupar pessoas objetivando uma disputa eleitoral e, consequentemente, um bom faturamento, a depender do resultado. Essa transformação da política em negócio tornou-se atividade apenas para quem tem dinheiro para investir.
Em vias de princípios, a principal função do partido político é descobrir talentos e projetar lideranças, dentro de uma visão ética e coesa, ainda que se trata de um partido. Contudo, o que se constata são aliciamentos de pessoas a se filiarem sem o menor critério de conduta. O resultado é o crime organizado infiltrado nas Câmaras Municipais, na Assembleias Legislativas e até no Congresso Nacional. A máxima de que o eleitor teria que fazer esse filtro não tem funcionado. Essa missão deveria passar pelo crivo dos partidos políticos, que teriam a incumbência, não só de inquirir sobre a vida pregressa do aspirante, mas também sua formação política dentro da visão ideológica da sigla.
A endemonização da política, aliada à execração dos políticos, tem levado o brasileiro a acreditar que Fake News é a verdade absoluta. Chega a beirar o cúmulo do absurdo, quando as estatísticas apontam, que mais de 30% dos brasileiros colocam Bolsonaro como o melhor presidente da história do Brasil. Isso é reflexo direto da fragilidade do aparato partidário brasileiro, porque não carregam um conjunto de preceitos que identificam com os anseios do eleitor. Não adianta nada um calhamaço de páginas enunciando normas estatutárias se o filiado não toma conhecimento durante a sua militância. É comum flagrar o elemento com inhaca de conservador, mesmo filiado a um partido de Esquerda. Do mesmo modo pode surgir sindicalista influente dispensando o seu capital político em favor do patrão.
A briga pela redução de impostos, da maior carga tributária do mundo, se esbarra na fome dos partidos políticos, que cada vez mais ávidos por dinheiro público, dão a maior contribuição para o emperramento da máquina pública. Cego também tem fome e conhece dinheiro. Ainda que lhe falte a visão o tato não lhe deixa na mão. Enquanto isso, a luz que deveria clarear o caminho segue ofuscando a visão de um povo cada vez mais ávido por justiça e desenvolvimento social, mas dentro de um estado dirigido por siglas cegas.
Bira Porto é jornalista e escritor, especialista em Políticas Públicas e Desenvolvimento Econômico.